Passados quase dois anos de uma pandemia devastadora, cuja imprevisibilidade e incertezas que a circundavam trouxe pânico à população mundial, o Ministério da Saúde divulgou no último sábado (15), um balanço estatístico sobre o nocivo alcance da Covid-19 no Brasil.

Tem-se que 22,9 milhões de pessoas foram infectadas desde o início desses tempos pandêmicos no país e, lamentáveis 621 mil, morreram! Dados que não revelam apenas números, mas que também, traduzem a dor da perda repentina e inesperada de inúmeros pais, irmãos, mães, filhas, namoradas, esposos, amigos e vizinhos.

Repentina e inesperada sim, pois no convite à reflexão de uma simples volta no tempo, quem em janeiro de 2019 imaginaria todo esse cenário? Ainda mais traumático, é constatar que, dificilmente, alguém tenha experienciado essa pandemia sem algum tipo de perda; seja ela no campo da saúde, psicológico, financeiro, de liberdade ou, infelizmente, em decorrência da morte de alguém próximo.

Já são quase dois anos de coronavírus e, depois de toda a ansiedade pelo desenvolvimento das vacinas – e, não obstante, do anseio em vê-las chegar à população –, ainda se percebe nos dias atuais, discussões sobre a necessidade (ou não) em se vacinar.

Aliás, debates que ultrapassam o autocuidado e a saúde pública e, inquietantemente, desaguam no mar turbulento de um ano eleitoral no Brasil. Prova disso é a imprensa noticiar há certo tempo, que um Ministro de Estado “confessou” ter se vacinado “às escondidas”.

Partindo para a seara jurídica, a contenda acerca da “não vacinação” também se alastram, evoluem e deixam em alerta todas as instâncias do Poder Judiciário.

Exemplo disso foi o Enunciado 26 exarado no XI Fórum Nacional da Justiça Protetiva, onde Magistrados da infância e da juventude entenderam que “Os pais ou responsáveis legais das crianças e dos adolescentes que não imunizarem seus filhos, por meio de vacina, nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, inclusive contra COVID 19, podem responder pela infração administrativa do art. 249 do ECA (multa de 3 a 20 salários mínimos e/ou estarem sujeitos à aplicação de uma ou mais medidas previstas no artigo 129 do ECA)”. Isso significa a possibilidade de perda da guarda ou ainda, a suspensão ou destituição do Poder familiar.

Outros pontos afetos à imunização e ao direito à liberdade de não fazê-lo, também repercutem nas esferas trabalhista e de Direito internacional.

Embora ainda não haja uma lei expressa que regulamente a discricionariedade das empresas em demitir por justa causa os não vacinados, o que se vê de efeito prático são desligamentos acontecendo e uma enxurrada de processos trabalhistas por conta disso.

No cenário internacional, a recentíssima deportação do tenista mundialmente famoso Novak Djokovic, da Austrália (somada à possibilidade dele ficar até três anos proibido de entrar no país), decidida neste domingo (16) pelo Tribunal Federal Australiano, pôs um ponto final na discussão sobre o direito individual à não vacinação por lá.

Ou seja, o tenista tem sim a opção de não se vacinar! Entretanto, ele deve obedecer às leis que preservam a vida e a saúde de terceiros contra os riscos da Covid-19 naquele país.

Já na França, após semanas de debate, o Parlamento do país aprovou de forma definitiva (também no último domingo, dia 16), o chamado “Passaporte de Vacinação”, exigindo imunização completa aos maiores de 16 anos. O regramento legal, que deve entrar em vigor ainda nesse mês de janeiro, vai impedir que os não vacinados acessem restaurantes, trens e cinemas, por exemplo. 

Trazendo para a realidade brasileira, é o que a Constituição Federal chama de Direitos e Deveres. Por isso, acredita-se que enxergar para si apenas os primeiros em detrimento dos segundos, é desequilibrar a balança daquilo que se entende por Justiça.

Aqui, tem-se a velha máxima de que o direito à liberdade individual teve “freios” colocados por uma questão de justiça e paz; pensamento que advém de Aristóteles (Filósofo grego).

Nesse vértice com a Filosofia Grega, a realidade atual verde e amarela aponta para mais de 381 mil doses de vacinas distribuídas (conforme o Ministério da Saúde). Já no outro lado desse pragmático enredo, o Instituto Butantan divulgou um levantamento realizado por pesquisadores da USP e da Unesp – referente aos números do Ministério da Saúde a partir da conclusão dos primeiros ciclos vacinais com as duas doses –, onde impressionantes 96% das mortes de Covid-19 (naquele período) foram de quem não se vacinou.

E mesmo com a retórica acerca da morte de vacinados, é sabido que a vacina não é uma “garantia vitalícia” e, sim, um “seguro contra maiores danos”. Afinal, uma vez vacinado, não se tem a chancela da imunidade contra o vírus, mas um maior poder de resposta do organismo para enfrentá-lo.

Por fim, a verdade histórica aponta que o Homem trocou a liberdade individual dos tempos de “Estado Natural” de Hobbes (onde todos podiam todas as coisas), por outra: a liberdade jurídica em que ele (o Homem) se submete às regras legítimas para que se possa viver em sociedade; e devidamente protegido pelo Direito.

Assim, nesse verdadeiro silogismo Aristotélico (onde a junção de duas premissas resultam na conclusão), se a Justiça deve ser praticada ante os fatos justos, e àqueles que não se vacinam invocam o direito à liberdade individual, estaríamos diante de uma espécie de “Direito à Ignorância”?

Direito esse que parece ter motivado o “pedido de prisão” contra o jornalista Willian Bonner. Felizmente, a Justiça negou essa balbúrdia processual.