Desfiles de autoridades da República sem máscara, aglomeradas, a debochar dos protocolos sanitários mais simples – como o distanciamento e o uso de álcool gel, a desdenhar das vacinas, negar a compra dos imunizantes e a criticar governadores e prefeitos responsáveis que protegem a população de seus estados e suas cidades por “crime contra a economia”. Há um ano o país assiste a isso – a esses espetáculos de mau exemplo que vêm de cima.

As coisas foram piorando a partir do feriado de 12 de outubro de 2020 e de todos os feriados, datas festivas e fins de semana ensolarados daí por diante, com aglomerações cada vez maiores. De nada adiantaram os alertas da ciência, porque o mau exemplo da ignorância, do negacionismo e da irresponsabilidade social pesou muito mais na balança do bom senso, principalmente entre os mais novos.

Aqui em Santa Catarina o (mau) exemplo foi seguido por milhões de jovens, que se aglomeram em praias, baladas clandestinas ou não, se recusam a usar máscaras, debocham dos protocolos sanitários mais simples e assim levam o coronavírus para a casa de pais, avós, irmãos, tios, amigos. Milhares de catarinenses já morreram por causa desse roteiro macabro da contaminação balada-lar. Eles estão entre os 7 mil mortos da Covid-19 em Santa Catarina contabilizados até a semana passada.

Nos últimos dias, todo o sistema de saúde do Estado entrou em colapso, a ponto de o secretário estadual de Saúde divulgar uma nota pública pedindo “socorro” – quando deveria, na verdade e há muito tempo, ter socorrido nossas cidades com medidas de mão firme e corajosas para evitar a orgia de contaminação que tomou conta de Santa Catarina.

Porém, agora, chegou a hora da verdade, num país que teve 200 mil mortes até o dia 7 de janeiro, quando a pandemia completou 11 meses. E que teve mais 50 mil mortes em velocidade espantosa, apenas 45 dias depois – este era o número de brasileiros vítimas da Covid-19 até a metade da última semana: mais de 250 mil. Por volta da mesma data, nos Estados Unidos, o número de mortos chegou a 500 mil – e as bandeiras americanas em luto foram a meio mastro. Aqui, nossas autoridades em Brasília estavam mais preocupadas com o preço dos combustíveis e com a ampliação da imunidade parlamentar. Lá, depois do desastre Donald Trump, o número de casos vem caindo nas últimas semanas, junto com o avanço da vacinação; aqui, sobem exponencialmente, com a vacinação a conta-gotas.

Artigo publicado pela Folha de S. Paulo na edição de 22 de fevereiro passado, intitulado ‘Em nenhum momento a pandemia assolou o Brasil como agora’, assinado pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e mais oito eminentes cientistas brasileiros, é o “alerta vermelho” de uma sirene que deveria soar por todo o país, se tivéssemos autoridades responsáveis em Brasília.

Os ilustres cientistas dizem não compreender como as cidades de Araraquara e Jaú, no interior paulista, estejam em lockdown – depois do colapso completo dos seus sistemas de saúde – enquanto Bauru, a 55 quilômetros da última, faz passeatas pelo direito à aglomeração. “Sem dúvida, esse é um caso para análise em antropologia e ciências do comportamento”, afirmam eles, lembrando, porém, que “não se menosprezam os danos econômicos, sociais e psicológicos do isolamento.  Mas, na emergência da saúde, o valor intrínseco da vida deve ser reforçado. Não sabemos tudo, mas acumulamos fortes evidências. As medidas ‘não farmacêuticas’, incluindo distanciamento social por fechamento do comércio, inibição de aglomerações e uso rigoroso de máscara são o único (amargo) caminho para interromper a progressão da Covid-19”.

E o alerta vermelho dos cientistas continua: “Não conseguiremos vacinar a tempo. É possível que o vírus se antecipe à vacina, com suas mutações de escape. A transmissão do coronavírus gera oportunidades para surgimento de variantes. É urgente, pois, interrompê-la”.  Eles lembram ainda que “passamos pela fase de ilusão de ‘enterros falsos’. Muitos de nós já tiveram vítimas fatais na família. Também já estão enterradas as pílulas milagrosas – cloroquina, ivermectina e nitazoxamida”.

E, como é a hora da verdade, a ciência nos coloca na encruzilhada: “Pesa sobre nós uma escolha. De um lado (…) aceitaremos a morte de centenas de milhares de pessoas como uma pequena inconveniência suportada em nome da economia. Do outro, a chance de aprender com as lições positivas e negativas de outros países. Como bom exemplo temos a Nova Zelândia. No extremo oposto, os Estados Unidos. Ainda dá tempo para deixarmos de bater continência a réplicas da Estátua da Liberdade e reconhecermos que Donald Trump levou seu país ao fundo do poço da saúde pública”.

É a hora da verdade: não temos vacinas suficientes porque o Governo Federal se negou a comprá-las quando teve oportunidade. Ignorou as ofertas feitas pelo Instituto Butantan em ofícios de julho, agosto e outubro para 60 milhões de doses no ano passado e mais 100 milhões neste ano. Em outubro, o presidente da República proibiu o ministro da Saúde de comprar a Vacina do Butantan, que hoje é a que está sendo aplicada em nove de cada dez brasileiros que recebem o imunizante. As demais vacinas aprovadas pela Anvisa estão chegando a conta-gotas; algumas, como a da Pfizer, enfrentam a resistência burocrática do Governo Federal, como se o país não estivesse numa emergência.

Neste cenário, o que nos resta para que o país se transforme numa imensa Manaus? E Santa Catarina numa grande Chapecó? Como disse no título desse artigo, chegou a hora da verdade, para nós brasileiros e catarinenses: ou tomamos atitudes civilizadas de proteção à vida, ao sistema de saúde e à própria economia, ou seremos definitivamente isolados do mundo.