A juíza substituta da 1º Vara da Fazenda Pública da Comarca de Florianópolis, Ana Luísa Schmidt Ramos, indeferiu o pedido de reconsideração apresentado pela empresa, Veigamed Material Médico e Hospitalar Eireli. Representantes da empresa queriam a liberação do valor de R$ 33 milhões, pago de forma adiantada pelo Governo do Estado, pela compra de 200 ventiladores pulmonares, os conhecidos respiradores.
A mesma magistrada foi a responsável pelo bloqueio do dinheiro nas contas da empresa, atendendo a uma ação popular protocolada pelo deputado estadual, Bruno Souza (Novo). Conforme divulgado em primeira mão pelo SCemPauta, até o momento, somente foi encontrado o valor de R$ 483,170 mil em uma conta e, R$ 49,29 em outra, o que gera a necessidade de um rastreamento do restante do valor.
Uma novidade, é que a Veigamed cobra do Estado o pagamento dos impostos gerados pela compra, os quais, segundo a empresa, ficaram fora do contrato, ou seja, além dos R$ 33 milhões, o Governo ainda terá que desembolsar mais um valor considerável, situação que mais uma vez expõe que o acordo feito, não foi nada ortodoxo. A empresa ganha milhões e ainda tem a isenção dos tributos, em suma, literalmente um negócio da China.
Um dos argumentos da empresa, é que o Governo somente aceitou a proposta, dois dias após o vencimento da mesma, datado de 31 de março passado. A juíza Ana Luísa, questiona a assinatura do contrato, dizendo que caberia a Veigamed, não o formalizar. Ao questionar a alegação da empresa sobre a qualidade do aparelho, sendo que foi informado que seria entregue um inferior ao acertado no contrato, somente quando cobrada via notificação pelo atraso na entrega, a magistrada aponta mais um ponto bizarro relacionado a empresa. “Foi só no momento em que era cobrado via notificação pelo atraso na entrega, que Pedro Nascimento Araújo, autodenominado “CEO” da Veigamed – fato curioso, já que a Veigamed é uma Eireli”, escreveu a juíza, apontando a falta de senso de realidade.
A decisão vai além no apontamento das incongruências relacionadas a empresa, que em determinado momento, se contradisse ao afirmar que o Governo Chinês confiscou todos os respiradores para garantir a entrega aos Estados Unidos, alegando ser esse o motivo da demora, porém, a juíza atenta aos detalhes, questiona como a Veigamed conseguiu os aparelhos através de uma outra empresa chinesa, se “todos” os respiradores, foram confiscados.
Procedimentos confusos
A juíza substituta Ana Luísa Schmidt Ramos, chama a atenção para os procedimentos adotados pela Veigamed, no processo de venda dos respiradores ao Governo do Estado. Ela chama a atenção, inclusive, para o fato de que ainda não se sabe, provocado por quem, Pedro Nascimento Araújo, o dito “CEO”, fez menção à empresa de comércio exterior Brazilian International Business e, a Rafael Wekerlin, sugerindo que trabalhariam conjuntamente na importação dos respiradores mecânicos, sendo que não há registro ainda, segundo a magistrada, de que a empresa de Joinville tenha participado. Ela também destaca a denúncia feita pelo dono da empresa, de que a ele teria sido feito um pedido de propina, o que o fez declinar do processo de compra. Além disso, também é lembrada a denúncia feita por Wekerlin, que acusa a Veigamed de ter copiado “grosseiramente” a proposta que ele enviara ao Governo do Estado, inclusive, com a apropriação de todas as características do projeto original, tais como modelo, prazos e forma de pagamento. “Acrescenta Rafael Wekerlin não saber como a Veigamed teve acesso ao documento”, escreveu a magistrada, que completou: “Claro que essa questão ainda deve ser investigada em processo e meios adequados, mas se olharmos a proposta de venda de respiradores mecânicos apresentada pela Veigamed à Secretaria de Estado da Saúde, perceberemos que as alegações de Rafael Wekerlin não parecem ser de todo infundadas. O item 4, intitulado “responsabilidades da trading”, causa espanto, já que não consta que a Veigamed se dedique a esse ramo de atividade.”, constatou.
Comprovação de aquisição
Em outro ponto da decisão, a juíza Ana Luísa Schmidt Ramos, destaca que em uma segunda notificação, expedida pela Secretaria de Estado da Saúde à Veigamed, foi solicitado à empresa que apresentasse em três dias, o comprovante de aquisição de todos os equipamentos adquiridos por meio da Ordem de Fornecimento nº 343/2020, tais como invoice, contrato de câmbio, swift, entre outros.
Também foi pedido à Veigamed, a apresentação de comprovante de despacho dos equipamentos, empresa responsável pelo transporte, rota escolhida, protocolo de rastreamento, além de outras informações necessárias ao acompanhamento do traslado dos equipamentos até seu destino final, além de uma data certa para a entrega dos aparelhos, com a ressalva de que não poderia ultrapassar o dia 30 de abril passado, data limite estabelecida no contrato para a chegada dos respiradores no almoxarifado da Secretaria de Estado da Saúde.
Aponta a magistrada, que no dia 24 de abril, a Veigamed se limitou a responder da seguinte forma:
“Serve-se a NOTIFICADA da presente, em resposta aos termos da 2ª
notificação que lhe fora encaminhada pelo NOTIFICANTE, recepcionada em 20.04.2020, para informá-lo acerca do cronograma de despacho e recebimento dos equipamentos respiradores objeto do contrato firmado entre as partes:
(…)
No tocante à rota, informa a NOTIFICADA que os equipamentos
sairão de Shenzhen/China, passando por AdisAbeba/Etiópia, Confins-MG/Brasil, tendo, por fim, seu destino final Aeroporto Internacional de Florianópolis (Hercílio Luz) –SC.
Com relação aos demais dados e documentos solicitados pelo NOTIFICANTE, de rigor destacar-se que os mesmos tratam-se e/ou contêm informações sensíveis à NOTIFICADA, inerentes ao modo como realiza a Processo 5033754-32.2020.8.24.0023/SC, Evento 43, DESPADEC1, Página 3 persecução de seu objeto social, sendo, portanto, qualificados como “segredo do negócio” (ou segredo comercial), que contam com a devida proteção legal (art. 195 e incisos, da Lei 9.279/1996), inclusive no âmbito constitucional (art. 5º, incisos XII e XXIX).”
Imprecisão nas informações
Para a juíza Ana Luísa Schmidt Ramos, a resposta da empresa Veigamed à Secretaria de Estado da Saúde, mostra facilmente a imprecisão das informações fornecidas. “A ré não respondeu aos questionamentos realizados, tampouco forneceu os dados solicitados e ainda por cima, apresentou datas para além do prazo estipulado no contrato. O quadro, aliás, não diz nada. Não especifica a origem e o destino do traslado, a alfândega a que se refere, o local do embarque em que as datas são estimadas e o local do embarque reserva. Não informa o básico: de onde, por onde, e para onde. E quando os produtos – quais produtos – chegarão ao destino final, que é o almoxarifado da SES”, escreveu a juíza.
Ela ainda afirma que o pior, é a resposta da Veigamed de que os demais dados solicitados pela Secretaria de Estado da Saúde, são sensíveis à empresa e estariam por isso, protegidos por sigilo. “Para início de conversa, a importação de produtos não se insere no objeto social da Veigamed, que é, segundo seu CNPJ – pois nem o contrato social da empresa foi juntado aos autos do processo de dispensa de licitação – o “comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano; o comércio atacadista de instrumentos e materiais para uso médico, cirúrgico, hospitalar e de laboratórios; o comércio atacadista de produtos odontológicos”, escreveu a magistrada.
Invocação do Segredo
Rebatendo a absurda resposta dada pela Veigamed para a Secretaria de Estado da Saúde, a juíza Ana Luísa Schmidt Ramos, destaca que mesmo que se admitisse que a importação fizesse parte das atividades econômicas empreendidas pela Veigamed, o que não é o caso, ainda assim, essa circunstância não toleraria, em nenhuma hipótese, a invocação do segredo.
Ela explica que isso se deve ao fato de ser um contrato firmado com o poder público, que deve ser regido pela publicidade e transparência, não podendo tramitar em segredo. “O segredo como ‘alma do negócio’ consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público, não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico, capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas”, escreveu.
A magistrada vai além ao cobrar explicações da Veigamed, a qual, segundo ela, recebeu o pagamento antecipado e, não cumpriu o contrato até o momento, pois os respiradores ainda não foram entregues. “Ela deve, sim, explicações quanto aos destinos dos recursos públicos”, afirmou. Também é lembrado pela juíza, que o pagamento antecipado deverá ser condicionado à prestação de garantias efetivas e idôneas destinadas a evitar prejuízos à Administração, o que não aconteceu em grave falha dos responsáveis pela compra. “A antecipação, no caso dos autos, parece caminhar em completo descompasso com essas condições. Primeiro, porque não há como falar em ampliação do universo de competidores, se não se sabe nem como essas empresas proponentes compareceram à SES para oferecer seus serviços. Não há notícias da publicação, nem de como os eventuais chamamentos de licitantes foram feitos”, escreveu.
Falhas no processo
A juíza Ana Luísa Schmidt Ramos, chama a atenção para o processo de dispensa de licitação, no qual, segundo ela, sequer consta o objeto do contrato antes da contratação. Ela lembra que a Veigamed apresentou uma proposta de venda de respiradores, destacando marca e modelo e, só então, uma equipe formada por engenheiros eletricistas e médicos intensivistas foi chamada a opinar sobre a funcionalidade, ou não do equipamento. “Vale dizer: daquele equipamento específico – C-35, sem compará-lo com qualquer outro disponível no mercado. Não sabemos como foi dada – e se foi dada – publicidade ao certame. Não temos notícias de como a Veigamed e suas questionáveis concorrentes, de idênticos endereços, acorreram à SES. Não há qualquer documento convocatório juntado aos autos para que pudéssemos averiguar se o pagamento antecipado já estaria previsto e avisado aos interessados em contratar com o Poder Público”, explicou, destacando que por causa disso, não é possível ao Governo do Estado justificar o pagamento antecipado, dizendo que serviria a ampliar o universo de licitantes”, escreveu.
Além disso, a magistrada destaca que para contratar com o Poder Público, as empresas precisam comprovar a devida qualificação econômico financeira, o que é determinado por lei. “Corresponde à disponibilidade de recursos econômico-financeiros para a satisfatória execução do objeto da contratação. (…) Aquele que não dispuser de recursos para tanto, não será titular de direito de licitar, pois a carência de recursos faz presumir inviabilidade da execução satisfatória do contrato e impossibilidade de arcar com as consequências de eventual inadimplemento”, destacou, completando que nos casos de compras para entrega futura, cabe, ainda, a exigência de patrimônio líquido mínimo para aquele que pretender contratar.
Eireli com contrato milionário